quinta-feira, 31 de julho de 2014

Futebol, televisão e metrô

Virou o assunto da moda nas últimas semanas uma situação muito familiar para quem frequenta os estádios de futebol em São Paulo: transporte público no final da partida para voltar para casa. Ou horário dos jogos. Ou do metrô. Tanto faz.

Confesso que me causa estranheza isso ser discutido só agora. Todo mundo já sabia que esse horário só beneficia a televisão e torna a vida do torcedor que quer voltar para a casa depois da partida às 22h um verdadeiro caos. Mas a discussão, quando se tratava do Pacaembu – estádio localizado em uma região mais central da cidade – ficava marginalizada. Agora, com a Arena Corinthians realizando jogos em Itaquera, os holofotes reacenderam.

O problema todo é questão de dinheiro, que envolve televisão, que envolve audiência, que envolve interesse. Vamos por partes.

A Globo é detentora dos direitos de transmissão de TV aberta de praticamente todo o futebol brasileiro. Ela transmite dois jogos por semana: um aos domingos, na faixa das 16h, e um às quartas-feiras logo depois da novela, às 22h (ou 21h45). Exceções existiram, óbvio, como jogos aos sábados durante o carnaval e partidas isoladas de competições internacionais, Libertadores, na quinta-feira.

Como detentora dos direitos, a Globo paga – e muito bem – aos clubes. A fatia das receitas que vem da televisão é considerável, passando da casa dos 100 milhões por ano nos casos de Corinthians e Flamengo. Além disso, a emissora carioca também pratica constantes adiantamentos de cotas para que os clubes paguem suas dívidas crônicas e contas pendentes. No final das contas, é uma grande relação de parceria.

Ora, você paga pelo espetáculo e ainda manda um dinheiro mais adiante caso precisem. O espetáculo, então, vai se adaptar aos seus interesses. E o principal – em se tratando de televisão aberta – é a questão de horário e da nossa gloriosa “faixa nobre”.

Vamos à audiência, segundo o Ibope, na última quarta feira, dia 23 de julho. A fonte é o site RD1, como podem ver aqui.

Jornal Nacional 25

Império 33

Copa do Brasil (Corinthians x Bahia) 19

Jornal da Globo 9

Por volta das 21h, entra no ar a novela. Ela não é nada senão o programa televisivo de maior audiência diária no Brasil, hoje. Depois vem o futebol – e uma queda de quase 43% nos pontos.

“Ah, mas o horário tarde não deixa o pessoal assistir aos jogos, as pessoas tem que dormir!”

Mentira. Vamos aos números de domingo, dia 27 de julho:

Temperatura Máxima 13

Campeonato Brasileiro (Corinthians x Palmeiras) 20

Domingão do Faustão 18

Um dos clássicos mais importantes do futebol brasileiro, no domingo, meio da tarde, um horário ótimo. E um ponto a mais do que quarta (que teoricamente está em um horário “péssimo”).

(O caso de domingo é muito específico, já que a Globo dificilmente alcança o mesmo patamar de audiência dos dias de semana, e as emissoras concorrentes geralmente conseguem números mais expressivos do que o normal. Importante frisar que, mesmo com todos os “poréns”, o jogo foi o programa de maior audiência da televisão aberta no domingo.)

Percebem onde eu quero chegar?

Mesmo com tudo a favor, o futebol consegue só um pouco mais da metade de audiência de uma novela das 21h. A consequência direta disso é que a novela, então, tem prioridade absoluta na programação e o nobre esporte bretão é colocado na sequência.

Dinheiro, amigos. Audiência é tudo na televisão. E o futebol corriqueiro (exceção feita às grandes finais com times brasileiros e jogos da Seleção) não faz cócegas na novela. Azar do futebol e dos torcedores que precisam ir ao estádio.

Esse é o cenário, um tanto resumido, da relação televisão x horário x futebol. Agora, o transporte público.

O metrô de São Paulo, por questões estruturais próprias, não pode ser 24 horas. Não é por má vontade que fecha por volta da meia noite e abre por volta das 5 da manhã: nesse período é feita toda a manutenção e a limpeza da estrutura (trens, estações, trilhos, etc). Aliás, esqueçam esse papo de jovem revolucionário: a não ser que aconteça uma obra de proporções faraônicas, o metrô de São Paulo nunca vai ser 24 horas diariamente. Na virada cultural, UM DIA no ano, pode até acontecer. Todo dia, não.

O último trem, saindo de Itaquera 0h19min, deveria ser o suficiente (na teoria) para que o público terminasse de ver o jogo por volta de 23h50min e fosse para casa. Deveria, se o processo de escoamento do estádio fosse uniforme e todas as pessoas conseguissem chegar na estação mais ou menos no mesmo tempo. Mas aí entram dois problemas: o público não é homogêneo (existem pessoas que andam mais devagar, seja questões físicas de dificuldade ou qualquer motivo) e é muito grande. Em jogos grandes, são mais de 30 mil pessoas saindo, a maioria para o mesmo lugar.

E essa estação fechar 0h19min não significa que o metrô para de funcionar logo depois: há a questão da integração garantida, outras linhas funcionando, escoamento de todos os usuários do transporte.

Fazendo contas simples, dá para ver que o metrô vai parar de funcionar lá para uma e tanto da manhã. E cinco tem que estar tudo pronto para um novo dia de trabalho.

É mole?

Tendo em vista essa zona toda, o aumento de apenas 11 minutos – para 0h30min – no horário do último vagão acaba não virando uma bola de neve tão grande. Mas ainda assim há o prejuízo de tempo para a realização da tal manutenção da madrugada.

Vendo por fora, dá a impressão que não dá para esticar muito mais o horário além disso. Vai ser 0h30min e pronto.

E sabe por que o seu clube não reclama do horário com a detentora dos direitos, em nome dos seus torcedores que tem dificuldade para voltar para casa?

Porque ele, provavelmente, tem dinheiro adiantado. Você vai comprar briga com quem te adianta a grana na hora do aperto? Jogando a hipocrisia para escanteio: nunca, nem no sonho mais alucinado.

Enquanto a novela for o carro chefe da Globo e a audiência do futebol não compensar uma mudança de horário, tudo vai continuar exatamente como está.

Os motivos estão na mesa e a solução não é tão simples como parece. Para começar a pensar em mudar esse modelo é preciso uma revolução profunda no futebol brasileiro. Não vai acontecer tão cedo.

P.S.: E o Morumbi? Também não é próximo do centro e ninguém aparentemente reclama – podem indagar. A resposta é simples: costume. As pessoas já se acostumaram com o horário e com o acesso lá, então nem lembram de reclamar. A Arena Corinthians é muito nova, não teve nem 10 jogos com o dono da casa ainda e apenas um às 22h. A tendência, infelizmente, é que as pessoas se acostumem também.


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