domingo, 3 de agosto de 2014

A dívida dos clubes é a dívida dos torcedores?

O assunto da última semana – além das partidas, evidentemente – foram os dois projetos lançados pela torcida do Flamengo, de forma independente da diretoria: o Fla em dia e o Flamengo da Nação. O primeiro é um projeto semelhante ao que os torcedores do Vasco fizeram (Vasco Dívida Zero) e os do Botafogo (Botafogo sem dívidas), e visa o pagamento da dívida do clube com a União por meio das DARFs (Documento de Arrecadação de Receitas Federais). A dívida, então, é paga de maneira direta pela torcida, sem que o dinheiro passe por qualquer conta do clube. O segundo é um projeto tradicional de crowdfunding que visa a contratação de jogadores.

A polêmica se instaurou por causa de discussões quanto à legitimidade desse tipo de programa. Afinal, qual porcentagem da dívida de um clube é responsabilidade do torcedor e por que ele deveria levantar um centavo que seja para ajudar?

É preciso, no entanto, fazer uma divisão clara antes de prosseguir. Por questão de princípios, eu não apoio particularmente a iniciativa da torcida juntar dinheiro para a contratação de jogadores. O objetivo, embora claro, tem mais conceitos abstratos do que eu gostaria. Afinal, que tipo de jogador? E os salários? Será que o valor pago na contratação vai ser justo? E se ele não render? E se uma aposta não render, a torcida vai ter o direito de se sentir traída?

O futebol, por natureza, possui certas peculiaridades que tornam o imponderável praticamente uma constante. E, em se tratando do meu dinheiro, eu não gosto do imponderável. Logo, não sou adepto de crowdfunding para contratação de jogadores.

Agora o outro programa e a pergunta central do post: é legítimo um torcedor se sentir responsável pelo pagamento da dívida do clube que torce? Na minha visão, sim.

Eu sei que existem complexas questões, também, que envolvem humanos. As dívidas foram feitas por figuras irresponsáveis que assombram os clubes até hoje, podendo voltar e causar todo o problema de novo. Logo, pagar seria uma espécie de “perdão” da torcida para com a irresponsabilidade do dirigente – isso em uma visão mais pragmática da situação.

Mas é preciso olhar o cenário geral para conseguir entender que não é tão simples assim.

O fundamental é saber que os tempos são outros. Os mecanismos de fiscalização e de transparência que o clube e os torcedores dispõem hoje são diferentes de 20 anos atrás. Com balanços cada vez mais detalhados sendo disponibilizados e uma cobertura cada vez mais ferrenha da imprensa especializada e da torcida, uma eventual administração irresponsável da entidade é mais difícil. O próprio governo, hoje, tem ferramentas mais refinadas para um controle mais efetivo quanto ao pagamento ou não de impostos. Aquela farra que existia em outros tempos, quando a sonegação era a regra e não a exceção, está cada vez mais difícil de acontecer.

O torcedor também se sente mais responsável pelo seu clube quando paga uma parte da dívida. Houve uma época em que a torcida era um mero número medido em pesquisas obscuras e uma pequena parcela de gente que aparecia nos estádios. O clube era uma entidade com características surreais, distante do mundo físico aqui presente. O quadro de associados, responsável por mandar prender e mandar soltar dentro dessas instituições, era mínimo, desconhecido e alçado ao degrau de senhores do Olimpo: só eles poderiam conversar com os Deuses em sua terra sagrada – mesmo que estes não fossem deuses. Quando a torcida paga a dívida, ela se aproxima do clube, mudando o patamar dele de surrealidade para algo mais concreto, que pode ser abraçado fisicamente. Por mais cruel que possa parecer, a dívida e seu pagamento, então, faz o clube ser mais “humano”, mais sólido.

Palmas, então, para os torcedores. O processo de trazer o clube mais para perto e torná-lo mais real é longo e árduo, mas precisa começar a acontecer. Especialmente onde se encontra a maior torcida do Brasil.

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