Confesso que me causa estranheza isso ser discutido só agora. Todo mundo já sabia que esse horário só beneficia a televisão e torna a vida do torcedor que quer voltar para a casa depois da partida às 22h um verdadeiro caos. Mas a discussão, quando se tratava do Pacaembu – estádio localizado em uma região mais central da cidade – ficava marginalizada. Agora, com a Arena Corinthians realizando jogos em Itaquera, os holofotes reacenderam.
O problema todo é questão de dinheiro, que envolve televisão, que envolve audiência, que envolve interesse. Vamos por partes.
A Globo é detentora dos direitos de transmissão de TV aberta de praticamente todo o futebol brasileiro. Ela transmite dois jogos por semana: um aos domingos, na faixa das 16h, e um às quartas-feiras logo depois da novela, às 22h (ou 21h45). Exceções existiram, óbvio, como jogos aos sábados durante o carnaval e partidas isoladas de competições internacionais, Libertadores, na quinta-feira.
Como detentora dos direitos, a Globo paga – e muito bem – aos clubes. A fatia das receitas que vem da televisão é considerável, passando da casa dos 100 milhões por ano nos casos de Corinthians e Flamengo. Além disso, a emissora carioca também pratica constantes adiantamentos de cotas para que os clubes paguem suas dívidas crônicas e contas pendentes. No final das contas, é uma grande relação de parceria.
Ora, você paga pelo espetáculo e ainda manda um dinheiro mais adiante caso precisem. O espetáculo, então, vai se adaptar aos seus interesses. E o principal – em se tratando de televisão aberta – é a questão de horário e da nossa gloriosa “faixa nobre”.
Vamos à audiência, segundo o Ibope, na última quarta feira, dia 23 de julho. A fonte é o site RD1, como podem ver aqui.
Jornal Nacional 25
Império 33
Copa do Brasil (Corinthians x Bahia) 19
Jornal da Globo 9
Por volta das 21h, entra no ar a novela. Ela não é nada senão o programa televisivo de maior audiência diária no Brasil, hoje. Depois vem o futebol – e uma queda de quase 43% nos pontos.
“Ah, mas o horário tarde não deixa o pessoal assistir aos jogos, as pessoas tem que dormir!”
Mentira. Vamos aos números de domingo, dia 27 de julho:
Temperatura Máxima 13
Campeonato Brasileiro (Corinthians x Palmeiras) 20
Domingão do Faustão 18
(O caso de domingo é muito específico, já que a Globo dificilmente alcança o mesmo patamar de audiência dos dias de semana, e as emissoras concorrentes geralmente conseguem números mais expressivos do que o normal. Importante frisar que, mesmo com todos os “poréns”, o jogo foi o programa de maior audiência da televisão aberta no domingo.)
Percebem onde eu quero chegar?
Mesmo com tudo a favor, o futebol consegue só um pouco mais da metade de audiência de uma novela das 21h. A consequência direta disso é que a novela, então, tem prioridade absoluta na programação e o nobre esporte bretão é colocado na sequência.
Dinheiro, amigos. Audiência é tudo na televisão. E o futebol corriqueiro (exceção feita às grandes finais com times brasileiros e jogos da Seleção) não faz cócegas na novela. Azar do futebol e dos torcedores que precisam ir ao estádio.
Esse é o cenário, um tanto resumido, da relação televisão x horário x futebol. Agora, o transporte público.
O metrô de São Paulo, por questões estruturais próprias, não pode ser 24 horas. Não é por má vontade que fecha por volta da meia noite e abre por volta das 5 da manhã: nesse período é feita toda a manutenção e a limpeza da estrutura (trens, estações, trilhos, etc). Aliás, esqueçam esse papo de jovem revolucionário: a não ser que aconteça uma obra de proporções faraônicas, o metrô de São Paulo nunca vai ser 24 horas diariamente. Na virada cultural, UM DIA no ano, pode até acontecer. Todo dia, não.
O último trem, saindo de Itaquera 0h19min, deveria ser o suficiente (na teoria) para que o público terminasse de ver o jogo por volta de 23h50min e fosse para casa. Deveria, se o processo de escoamento do estádio fosse uniforme e todas as pessoas conseguissem chegar na estação mais ou menos no mesmo tempo. Mas aí entram dois problemas: o público não é homogêneo (existem pessoas que andam mais devagar, seja questões físicas de dificuldade ou qualquer motivo) e é muito grande. Em jogos grandes, são mais de 30 mil pessoas saindo, a maioria para o mesmo lugar.
E essa estação fechar 0h19min não significa que o metrô para de funcionar logo depois: há a questão da integração garantida, outras linhas funcionando, escoamento de todos os usuários do transporte.
Fazendo contas simples, dá para ver que o metrô vai parar de funcionar lá para uma e tanto da manhã. E cinco tem que estar tudo pronto para um novo dia de trabalho.
É mole?
Tendo em vista essa zona toda, o aumento de apenas 11 minutos – para 0h30min – no horário do último vagão acaba não virando uma bola de neve tão grande. Mas ainda assim há o prejuízo de tempo para a realização da tal manutenção da madrugada.
Vendo por fora, dá a impressão que não dá para esticar muito mais o horário além disso. Vai ser 0h30min e pronto.
E sabe por que o seu clube não reclama do horário com a detentora dos direitos, em nome dos seus torcedores que tem dificuldade para voltar para casa?
Porque ele, provavelmente, tem dinheiro adiantado. Você vai comprar briga com quem te adianta a grana na hora do aperto? Jogando a hipocrisia para escanteio: nunca, nem no sonho mais alucinado.
Enquanto a novela for o carro chefe da Globo e a audiência do futebol não compensar uma mudança de horário, tudo vai continuar exatamente como está.
Os motivos estão na mesa e a solução não é tão simples como parece. Para começar a pensar em mudar esse modelo é preciso uma revolução profunda no futebol brasileiro. Não vai acontecer tão cedo.
P.S.: E o Morumbi? Também não é próximo do centro e ninguém aparentemente reclama – podem indagar. A resposta é simples: costume. As pessoas já se acostumaram com o horário e com o acesso lá, então nem lembram de reclamar. A Arena Corinthians é muito nova, não teve nem 10 jogos com o dono da casa ainda e apenas um às 22h. A tendência, infelizmente, é que as pessoas se acostumem também.